Por que os outros não conseguem ver o que eu vejo? Por que não percebem a clareza de minhas intenções e ações? Por que os outros interpretam erroneamente meus atos e palavras e complicam tudo? Por que não podemos ser objetivos no trabalho e deixar problemas pessoais de fora? Por que não começamos ser práticos e deixamos as emoções de lado? Por que, por que, por que…
Você nunca pensou alguma vez assim, em algum momento ou situação? Quem nunca, que atire a primeira pedra.
Existe uma afirmação em uma peça teatral chamada de Huis Clos, de Jean-Paul Sartre, que traduz o que alguns de nós podem ter pensando durante esses questionamentos: “ O inferno são os outros…” As pessoas relacionam-se ao conviverem, ao trabalharem juntas, ao entrarem em contato. Fazem isso tendo antipatia e empatia, falando, aproximando-se, afastando-se, entram em discórdias, competindo, colaborando e desenvolvendo afeto. Essas interações ou reações, voluntárias ou involuntárias, intencionais ou não, constituem o processo de interação humana, onde as pessoas reagem à presença da outra de forma indiferente ou de forma estimuladora (MOSCOVICI, 2010).
A interação humana ocorre permanentemente através de um processo complexo e de várias formas, e as relações interpessoais se desenvolvem ao longo de um processo de interação. Toda interação tem um entendimento, um significado, mesmo quando alguém vira as costas à outra pessoa e vai embora sem falar nada, há um significado. E, a forma mais comum de interação é através da comunicação.
Normalmente em uma situação de trabalho onde duas ou mais pessoas compartilham atividades pré-determinadas existem igualmente papeis pré-determinados como, por exemplo: comunicação, cooperação, respeito e amizade. Ao longo do trabalho, à medida que a interação vai aumentando, os sentimentos despertados podem ser diferentes dos esperados e estes sentimentos com certeza influenciarão o andamento dos trabalhos realizados pelo grupo de duas maneiras: ou ajudarão se os sentimentos forem positivos, ou atrapalharão os trabalhos se os sentimentos forem negativos. A esse ciclo Moscovici (2010) dá o nome de “atividades-interações-sentimentos” e está ligado ao conhecimento técnico das pessoas. Muitas vezes as pessoas tecnicamente são competentes individualmente, mas podem ter baixa produtividade devido a interação negativa dentro do grupo em situação de trabalho. No grupo há diferenças entre os participantes no que se refere à informações, conhecimentos, opiniões, preconceitos, atitudes, experiências anteriores, gostos, crenças, valores e estilos comportamentais. Tais diferenças podem constituir um novo repertório daquelas pessoas naquele grupo. Dependendo como essas diferenças são encaradas pelos integrantes do grupo determinará a modalidade de relacionamento entre os membros do grupo, colegas de trabalho, superiores e subordinados.
Moscovici (2010) fala sobre dois tipos de grupo. No primeiro há respeito pela opinião do outro, as questões são ouvidas e discutidas, estabelece-se uma modalidade de relacionamento aberto onde às diferenças são tratadas abertamente e a comunicação flui em dupla direção, as pessoas ouvem umas as outras, falam o que pensam e sentem, existindo a possibilidade de dar e receber feedback. A outra modalidade de interação é aquela onde não há respeito pela opinião do outro, ideias e sentimentos não são ouvidos ou são ignorados, não há troca de informações. Quando as diferenças são negadas e suprimidas, a comunicação torna-se falha, incompleta, insuficiente, com bloqueios e barreiras, distorções e “fofocas”. As pessoas não falam o que gostariam nem ouvem as outras, só captam o que reforça sua imagem das outras e da situação.
Portanto, a maneira de lidar com diferenças individuais cria certo clima entre as pessoas e tem forte influência sobre toda a vida em grupo, principalmente nos processos de comunicação no relacionamento interpessoal, no comportamento e na produtividade. Se o clima for bom, o trabalho em grupo poderá tornar-se harmonioso e prazeroso, fluindo dentro de um trabalho de alta cooperação em equipe, onde experiências e conhecimentos são somados e a soma do todo é maior que as partes. Caso as diferenças sejam negadas ou suprimidas, o trabalho se tornará tenso, conflitivo, levando a desintegração de esforços, a divisão de energias e à crescente deterioração do desempenho grupal e sua dissolução.
A liderança e a eficácia de um grupo dependem essencialmente da competência interpessoal do líder e dos seus membros. As relações interpessoais e o clima de grupo influenciam-se recíproca e circularmente, caracterizando um ambiente agradável e estimulante, ou desagradável e adverso, ou neutro e monótono. Cada modalidade traz satisfações ou insatisfações pessoais e grupais e tem impacto direto na produtividade.
Competência técnica e competência interpessoal
Todo o indivíduo precisa de competência interpessoal para melhor interação profissional e pessoal. No trabalho, a competência técnica é necessária para todo o tipo de profissão, pois é com ela que o profissional formulará as perguntas adequadas e com conteúdo relevante para realizar seu trabalho. No entanto, a competência interpessoal é que dará a condição e estabelecerá o processo para que a informação possa ser recebida pelas pessoas e pelo meio e para que se obtenha maior qualidade das respostas recebidas.
A proporção entre as duas competências, interpessoal e técnica, podem até variar de profissão para profissão conforme o grau de interação que a profissão exige, mas segundo MOSCOVICI (2010) as duas são extremamente importantes e complementares. A maneira pela qual um gerente, advogado, médico faz as perguntas (tendo ou não estabelecido um “clima” psicológico favorável e uma relação de confiança) pode influenciar as informações que recebe e, por conseqüência, a qualidade do seu trabalho. Ter competência interpessoal é a habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais e de lidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada um e às exigências da situação.
Segundo ARGYRIS (citado por MOSCOVICI, 2010) a habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais depende de três critérios:
Percepção acurada da situação interpessoal, de suas variáveis relevantes e respectivas inter-relações;
Habilidade de resolver realmente os problemas interpessoais, de tal modo que não haja regressões;
Alcançar soluções de tal forma que as pessoas envolvidas continuem trabalhando juntas tão eficientemente, pelo menos, como quando começaram a resolver seus problemas.
Sobre a percepção e habilidade para lidar com situaçõe interpessoais, Moscovici (2010) diz:
Percepção. Visão acurada da situação apresentada desenvolvida ao longo do crescimento pessoal, abrangendo autopercepção, autoconscientização e auto-aceitação como pré-requisitos de possibilidades de percepção mais realística dos outros e da situação interpessoal. Pode ser feito através de dar e receber feedback, que exigirá muito da pessoa, pois o autoconhecimento só pode ser feito com a ajuda do outro para compreensão do eu cego de cada um (Janela de Johari).
Habilidade de lidar com situações interpessoais, É a somatória de várias outras habilidades:
Flexibilidade perceptiva e comportamental. Significa procurar ver vários ângulos ou aspectos da mesma situação e atuar de forma diferenciada, não rotineira, experimentando novas condutas percebidas como alternativas de ação. Desenvolve-se continuamente.
Receber feedback. Só com ele se constroem relacionamentos autênticos, eu- tu, de pessoa para pessoa, em vez da relação eu-isto, de sujeito para objeto. Este tem como objetivo ampliar a capacidade perceptiva e o repertório comportamental do indivíduo.
Relacionamento em si. Compreende predominantemente a dimensão social-afetiva. O quanto às pessoas conseguem lidar com o conteúdo cognitivo e a relação afetiva para estabelecer um ideal de verdade/amor. O equilíbrio desses dois componentes é que fará com que o relacionamento não sofra danos e até se torne mais forte e verdadeiro.
Por que os outros não conseguem ver o que eu vejo? Por que não podemos ser objetivos no trabalho e deixar problemas pessoais de fora? Por que não começamos ser práticos e deixamos as emoções de lado?
Por que não podemos. Somos seres únicos e indivisíveis e a emoção faz parte de nós como qualquer célula de nosso corpo, e são despertadas sempre que interagimos com o outro.
Esses sentimentos são parte intrínseca do ser humano e poderão influenciar positivamente o andamento dos trabalhos realizados pelo grupo, tornando harmônico, produtivo e inovador: basta que seus membros sejam craques não só em suas competências técnicas, mas também, interpessoais.
por Luciana Priosta, consultora da CCeG, Graduada em Ciências Sociais pela UNICAMP com especialização em Ciência Política, pós graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pelo INPG, em Dinâmica dos Grupos pelo SBDG e em Comunicação e Marketing pela Sustentare Escola de Negócios.
Tags: Competência, Competência Interpessoal, comportamento, desenvolvimento de equipes, Desenvolvimento Interpessoal
2 Comentários
Simone – mar 16, 2012
Realmente Luciana… sempre posicionamos que o problema está fora de nós.
O que o seu artigo me fez pensar é o quanto delegamos ao outro a forma como vamos agir, pois, via de regra, tendemos a reagir ao comportamento do outro. Logo, se o outro foi agressivo, arrogante, impaciente, dentre outros, agimos de igual maneira já que devolvemos, muitas vezes sem pensar, da mesma forma.
Vale uma boa reflexão!
Augusta Freitas – mar 16, 2012
Agradeço o artigo que me foi muito útil.
A forma como está exposto é transparente, dando-nos a noção que todo o relacionamento, por mais difícil que pareça, é fácil de resolver aplicando estes ensinamentos.